2050,  Crónicas

Quem tem medo de comunicar sustentabilidade?

Estamos na era do “preso por ter cão e preso por não ter” do marketing em torno das questões climáticas. O receio de acusações de se fazer poucochinho é, por um lado, um bom incentivo para que as empresas façam mais e melhor mas, por outro, um entrave à transparência, à partilha de informações úteis a todos os stakeholders e à aceleração de uma mudança que se quer urgente.
O silêncio deliberado sobre o que se faz na área da sustentabilidade ambiental por medo de acusações de “greenwashing” tem um nome: “greenhushing”. As duas expressões são da mesma família e há até quem acuse a irmã mais nova de ser demasiado parecida com a irmã mais velha mas, sonsa.
A mais velha já tem idade para ter juízo, tendo sido vulgarizada nos anos 90 pela Greenpeace e fazendo, definitivamente, parte do léxico moderno de marketeers, assessores e ativistas ambientais. Refere-se às falsas alegações e ao exagero das verdadeiras por parte de empresas ao comunicarem os compromissos e as conquistas de sustentabilidade.
Em 2022, uma avaliação realizada pela Comissão Europeia descobriu que quase metade das afirmações verdes feitas online por empresas eram exageradas, enganosas ou falsas e as Nações Unida publicaram um relatório entitulado Integrity Matters sobre as alegações das empresas, das instituições financeiras, das cidades e das regiões, culminando com um discurso do secretário-geral a pedir “tolerância zero ao
greenwashing”.
A mais nova anda por aí, pelo menos, desde 2016, surgindo num artigo do professor de marketing de sustentabilidade na Universidade do Surrey Xavier Font, publicado no Journal of Sustainable Tourism em Março daquele ano, onde se avaliam as práticas de comunicação de sustentabilidade de 31 pequenas empresas de turismo rural no Parque Nacional de Peak District, na Inglaterra. O estudo concluiu que apenas 30% das ações de sustentabilidade eram comunicadas por as empresas temerem que divulgá-las levasse os clientes a acreditar que as experiências que teria nas férias seriam piores.
Atualmente, não é só a possibilidade de o consumidor esperar menos qualidade de um produto ou serviço que é ecológico que retrai as empresas – até porque não faltam dados sobre como as novas gerações preferem o que é comunicado como “sustentável” – mas, também, o risco reputacional e, sobretudo, o risco de litigância; se simples acusações ou suspeitas de greenwashing podem ser prejudiciais para a reputação de uma marca ou empresa, um processo judicial pode destrui-la.
Globalmente, o número cumulativo de casos de litigância relacionados com as alterações climáticas mais do que duplicou desde 2015, elevando o número total de casos para mais de dois mil. Cerca de um quarto começaram entre 2020 e 2022. Apesarde, na maioria dos países, não haver sanções específicas para empresas culpadas de greenwashing, podem ser aplicadas sanções tradicionais por declarações fraudulentas ou falsas reivindicações contratuais.
Em 2021, a H&M foi acusada pela Fundação de Alterações de Mercado na União Europeia por apresentar declarações desonestas sobre uma linha de “vestuário sustentável”, a Dasani por alegar que produzia garrafas de água “100% recicláveis” e a Kroger por alegar que o protetor solar que vende é “amigo dos recifes”. No ano passado, ativistas da Climate Alliance Switzerland apresentaram uma queixa à Comissão de Integridade da Suíça contra as “possíveis promessas injustas de greenwashing” da FIFA em relação ao Mundial do Qatar. E há pelo menos 73 casos-quadro a desafiar as respostas dos governos à crise climática.
A resposta das empresas à inflação destes riscos é preocupante: calam-se.
No relatório de 2022 da empresa de consultoria de sustentabilidade South Pole foram entrevistados mais de 1.200 executivos de todo o mundo para entender o que impulsiona os compromissos climáticos que vão assumindo. O estudo revelou uma tendência que os investigadores classificam como “surpreendente”: apesar de cada vez mais empresas estarem a implementar metas de redução de emissões baseadas na ciência, 23% dos inquiridos não planeiam divulgá-las “além do mínimo ou conforme necessário.”
Não me interpretem mal: reprimir falsas alegações e publicidade a avanços ambientais desprezíveis parece-me fantástico. Mas o silêncio dificulta o escrutínio por parte do público e limita a partilha de conhecimento entre empresas e indústrias, uma das melhores maneiras de acelerar e aprimorar esforços de descarbonização da economia.
Seria ótimo se este silêncio resultasse de uma normalização da criação de metas de sustentabilidade baseadas na ciência, tornando-as mundanas em vez de excepcionais, mas não me parece que assim seja. Aliás, com greenhushing as empresas podem esconder falta de ambição no que toca a ação climática, dando a entender que são mais ecológicas do que realmente são. Também pode dar a impressão de que “quem cala consente”, ou seja, de que quem não fala de ambiente, não está a fazer nada por ele, o que também representa um risco reputacional aos dias de hoje.
O greenhushing é tão ou mais prejudicial para a ação climática quanto o greenwashing. Precisamos de empresas que comuniquem, transparente e eficazmente, dados relevantes, que possam inspirar outras a fazer mais e melhor. São precisas estratégias de comunicação assentes num delicado equilíbrio entre o orgulho no que se vai alcançando e a humildade sobre o que não está a conseguir-se melhorar.
É tempo de aceitarmos a verdade inconveniente: todos os esforços de sustentabilidade feitos dentro de um sistema extrativista serão passíveis de ser acusados de greenwashing. Isso não é razão para as empresas se remeterem ao silêncio. É razão para gritarem mais alto e não deixarem que os desafios lhe minem a ambição.

Fontes e recursos:


COMISSÃO EUROPEIA, Screening of websites for ‘greenwashing’: half of green claims lack evidence, press release em https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_21_269
FONT, Xavier et al., Greenhushing: the deliberate under communicating of sustainability practices by tourism businesses, March 2016, Journal of Sustainable Tourism 25(7):1-17, disponível para consulta em https://www.researchgate.net/publication/299502438_Greenhushing_the_deliberate_under_communicating_of_sustainability_practices_by_tourism_businesses
ONU, Integrity Matters: Net Zero Commitments By Businesses, Financial Institutions, Cities and Regions, Report from the United Nations’ High-Level Expert Group on the netzero emissions commitments of non-state entities, disponível em https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/high-level_expert_group_n7b.pdf
SOUTH POLE (empresa de consultoria em sustentabilidade), Net Zero and Beyond: A Deep-dive on Climate Leaders and What’s Driving Them, disponível para download em https://www.southpole.com/publications/net-zero-and-beyond
THE GRANTHAM, Global trends in climate change litigation – 2022 snapshot, Research Institute on Climate Change and the Environment, London School of Economics and Political Science, disponível em https://www.lse.ac.uk/granthaminstitute/publication/global-trends-in-climate-change-litigation-2022/VISRAM, Talib, What is ‘green hushing’? The new negative sustainability trend, explained,
Fast Company, disponível para leitura em https://www.fastcompany.com/90858144/what-is-green-hushing-the-new-negative-sustainability-trend-explained#:~:text=Green%20hushing%20refers%20to%20companies,fear%20of%20being%20labeled%20greenwashers


Crónica publicada originalmente na revista Briefing.

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