Crónicas,  Polígrafo

Não há filtros solares amigos do ambiente

Lidar com as alterações climáticas tornou-se uma indústria em expansão por si só. Ativar o gatilho da ecoansiedade criou uma fonte de lucro substancial em vários setores, incluindo o da saúde e o dos cosméticos. Há todo um segmento de mercado que vende filtros solares ecológicos, por oposição aos restantes, que seriam, portanto, tóxicos. No entanto, não está, de forma alguma, comprovado que o impacto que os filtros solares têm no ambiente ultrapasse as vantagens que a sua utilização tem para a saúde pública.

A moda dos protetores solares “ecológicos” surgiu em resposta a um estudo publicado em 2015 na revista científica Archives of Environmental Contamination and Toxicology que levantou uma série de questões quanto aos impactos da oxibenzona nos corais, um ingrediente incluído em mais de 3500 loções de proteção solar à venda por todo o mundo, capaz de proteger a pele contra os efeitos nocivos da luz ultravioleta.

Este estudo precipitou duas reações em cadeia: uma onda de investigação sobre o assunto e uma tendência de mercado em torno da garantia de que determinados protetores solares são amigos dos corais.

Das investigações resultaram conclusões que os próprios investigadores consideram insuficientes para abolir a utilização de determinados filtros solares; da tendência de mercado resultou a criação de mais de 100 produtos com sinalética não regulada sobre as suas características ecológicas.

Não deixa de me surpreender como o capitalismo neoliberal é capaz de aproveitar as crises para as quais contribui como fonte de expansão adicional. A verdade é que basta que a publicidade nos diga que a expiação para os nossos pecados ambientais está à distância de uma compra que, sobretudo quando fazemos parte da classe média, abrimos logo os cordões à bolsa.

Voltando aos factos, o que sabemos atualmente é que:

  • Protetor solar com fator de proteção solar (FPS) de 30 ou superior é uma defesa eficaz contra as queimaduras solares e o cancro de pele, e dificultar o acesso a loções de amplo espectro e que as pessoas realmente usarão pode prejudicar a saúde pública;
  • A oxibenzona é um contaminante emergente em ambientes aquáticos, representando um perigo para a conservação dos recifes de coral e ameaçando a sua resiliência às alterações climáticas;
  • Em estudos de campo, foram identificadas e calculadas quantidades relevantes de filtros solares nos recifes corais;
  • Em estudos de laboratório, foram determinadas as concentrações necessárias para afetar significativamente os recifes corais;
  • Apesar de libertarmos cerca de 14 mil toneladas de loções solares no oceano por ano, globalmente, não estamos nem perto das condições e concentrações necessárias para se justificar banir os filtros solares em questão;
  • As concentrações de oxibenzona no mar das Caraíbas e do Hawaii estão associadas à presença de banhistas e às descargas de águas residuais municipais, residenciais e de embarcações;
  • As geografias onde as concentrações são mais elevadas legislaram a questão como medida preventiva dos efeitos previstos pelos cientistas, sendo proibido vender e utilizar filtros solares com oxibenzona e octinoxato na Ilha do Hawaii (desde 2018), nas Ilhas Virgens e em Key West, no Palau, em Bonaire e em Aruba (exceções para quem tenha prescrição médica);
  • A alternativa apresentada pelo mercado são os filtros minerais (em oposição aos banidos, que são filtros químicos), em que os ingredientes ativos são o óxido de zinco e o dióxido de titânio, que formam um bloqueio físico que protege a pele ao impedir que absorva raios UV (enquanto que os filtros químicos absorvem esses raios e os transformam em calor);

O óxido de zinco e o dióxido de titânio são eficazes na proteção da pele, mas, apesar de serem considerados “reef safe” – a nomenclatura utilizada pelas farmacêuticas para facilitar a identificação destes produtos pelo consumidor como “amigos dos corais” -, também têm impactos negativos nos meios aquáticos, sobretudo se forem utilizados em nanopartículas.

Conclusão: a ciência não provou que a forma como utilizamos os filtros solares químicos é prejudicial para os corais ou os ecossistemas aquáticos nem consegue garantir que a troca por filtros minerais garante menos toxicidade ecológica. Mas todos concordam que a utilização de protetor solar tem vantagens comprovadas para a saúde humana.

Preocupante é o efeito que tem o aumento do nível médio da água e da sua temperatura, a acidificação da água, a poluição e a sobrepesca. Com tantos outros impactos comprovados e muito mais nocivos para os corais e os ecossistemas aquáticos em que podemos agir sem pôr em causa a saúde pública (nem a sustentabilidade social e económica), parece-me tolo advogar à “compra consciente” de protetores solares, mas se for isso que queremos fazer, posso apenas propor que:

  • Se evite a exposição solar das 11h às 16h e se utilize roupa leve que cubra a pele, chapéu que faça sombra no rosto e óculos de sol como filtros físicos;
  • Se use protetor solar, seja ele qual for, mesmo na sombra, preferindo embalagens inquebráveis, recicláveis, sem tampas amovíveis (que podem perder- se causando poluição), ignorando qualquer simbologia não regulada;

Como medida preventiva do possível impacto ecológico dos protetores solares, se leiam os ingredientes e se evite a oxibenzona e o ethylhexyl methoxycinnamate nos filtros químicos e as nanopartículas nos filtros minerais.

Não há filtros solares amigos do ambiente. Vender a ideia de que eles existem alimenta a crença de que podemos comprar a solução para os impactos que uma vida saudável e próspera tem no ambiente. A sustentabilidade depende de uma mudança lúcida e profunda na cultura e na economia. Não chegamos lá a tapar os olhos com falsos rótulos e mercantilização de falsas soluções.

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