Crónicas,  Polígrafo

Não há energias verdes

A União Europeia (UE) institucionalizou o greenwashing ao incluir o gás fóssil e a energia nuclear numa lista de investimentos supostamente sustentáveis. 

Em junho de 2020, a UE desenvolveu um sistema de classificação de atividades económicas para identificar quais as que podem ser definidas como ambientalmente sustentáveis. Chamou-lhe “taxonomia verde” e, depois de o Parlamento Europeu ter aprovado, no passado dia 16 de julho, o mais recente Ato Delegado Complementar da Comissão Europeia sobre mitigação e adaptação às alterações climáticas, a lista inclui o gás fóssil e a energia nuclear como investimentos verdes. 

Oficialmente, o objetivo da taxonomia verde é evitar o greenwashing, definindo critérios específicos que guiem as entidades financeiras na divulgação de informação sobre as características ambientais dos produtos financeiros, ajudem as empresas a divulgar de que forma contribuem para objetivos ambientais, e esclareçam os investidores sobre o que é um investimento verdadeiramente sustentável. 

A decisão de incluir ou excluir atividades foi tomada com base na opinião de peritos, um grupo consultivo denominado Plataforma para as Finanças Sustentáveis, sendo que os pareceres emitidos por aquela equipa têm base científica e avaliam cada atividade no contexto das alterações climáticas. 

Ora, estes mesmos peritos questionaram abertamente a legalidade da inclusão, na taxonomia verde da UE, da energia nuclear e do gás fóssil – aquele a que insistimos chamar de “natural”, um claro exemplo de greenwashing aplicado à energia. Como solução de compromisso, aconselharam a criação de uma “zona âmbar” onde se incluiriam atividades que, não sendo verdes, geram menos emissões do que as status quo, evitando, assim, incoerências legais e políticas. 

A Europa ignorou a ciência, as recomendações dos ambientalistas e a gritante necessidade de regras claras por parte de governos, reguladores, entidades financeiras e empresas. 

A Europa cedeu aos lobbies fósseis, com os quais representantes da União Europeia reuniram 323 vezes em 17 meses, ou seja, mais de quatro vezes por semana, durante um período crítico para o futuro da taxonomia verde.

A Europa preteriu o estipulado no Acordo de Paris ao criar uma política fiscal que possibilita o desvio de investimentos de projetos de energias mais limpas. 

A Europa traiu os princípios do Pacto Ecológico Europeu, que traçava um caminho de transição energética pavimentado por investimentos em eficiência energética e numa maior fração de fontes de energia renováveis. 

A Europa enviou desastrosos sinais às empresas do setor energético, aos investidores e ao resto do mundo, de que seguirá a financiar os combustíveis fósseis e atividades com resíduos tóxicos. 

A Europa enfraqueceu a sua soberania energética, incentivando à importação de gás fóssil – no caso português, sobretudo da Nigéria, da Rússia, dos EUA, do Qatar e de Espanha – e combustível nuclear – a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) estima que as principais reservas de urânio se localizam na Austrália, no Cazaquistão, no Canadá e na Rússia. 

A Europa piorou as perspetivas sobre o custo de vida dos europeus face ao aumento constante dos preços do gás aliado à guerra na Ucrânia e ao facto de, atualmente, a energia nuclear ser a mais cara do mundo. 

A Europa violou as suas obrigações legais ao ter alterado elementos fundamentais do ato legislativo que veio complementar por Ato Delegado, já que, de acordo com a própria proposta da Comissão Europeia, os investimentos só devem ser rotulados de “verdes” se, primeiro, contribuírem para a mitigação e adaptação às alterações climáticas e, segundo, não causarem danos significativos no ambiente. 

A Europa desvirtuou a agenda ambientalista europeia, manchou o histórico de liderança climática e minou a sua credibilidade internacional na área ambiental, ao criar um novo standard para justificar operações poluentes e comunicar falsas pretensões ecológicas. 

Os argumentos de que a inclusão das atividades ligadas à exploração e distribuição de gás fóssil e energia nuclear na taxonomia verde é limitada no tempo e dependente de condições específicas, e de que os esforços da Europa para a conservação da natureza, o desenvolvimento sustentável e a transição para a neutralidade carbónica têm de ser realistas, acionáveis e adaptados a diferentes realidades e circunstâncias, não podem ser justificação para não seguir padrões exigentes de integridade e transparência. 

Tais padrões deviam ter em conta que a produção energética, a atividade económica mais poluente do mundo, opera numa escala de cinzentos: o carvão é o mais negro dos combustíveis, seguido pelo petróleo; o gás, apesar de ser ambientalmente menos impactante que o carvão e o petróleo, é fóssil e não renovável e contribui para a acentuação do efeito de estufa, num tom cinzento escuro; a energia nuclear produz resíduos radioativos e depende do ciclo do urânio que é, por definição, um recurso limitado e não renovável, sendo impossível construir uma economia circular em torno dele, num tom cinzento médio; até as energias renováveis, como a solar e a eólica, têm impactos no ambiente, incluindo a morte de aves, a perda de habitat e biodiversidade, a poluição sonora, e a utilização de tóxicos na produção dos materiais, em tons de cinza claro. 

Não há energias verdes. Institucionalizar sistemas que fazem os cidadãos acreditar que sim e incentivam empresas e investidores a operarem e comunicarem com base em compromissos ocultos, factos irrelevantes e falsos rótulos, enfraquece e atrasa qualquer pretensão de desenvolvimento sustentável. 

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