Crónicas,  Justiça Climática

Quando o renovável não é sustentável

Confiámos a solução da crise energética aos mesmos que a provocaram, entregámos os bens comuns às empresas responsáveis pela emergência climática e mantemo-las como gigantes e descaradas beneficiárias dos fundos públicos destinados à transição energética.

Os recursos estão a ser investidos em energias renováveis, mas não estão a criar um sistema energético sustentável. A nossa política energética está a permitir que alguns usem o processo de transição para continuar a aumentar o seu sustento enquanto minam a sustentabilidade de todos, alimentando outras crises que se cruzam com a climática, nomeadamente o aumento da pobreza e da desigualdade social, a par da destruição da biodiversidade.

Enquanto conhecermos, pelo nome, os donos da energia, não podemos falar em sustentabilidade. O sector privado está a ser incentivado e subsidiado para aumentar a produção e o investimento em energias renováveis, mas não está a ser impedido de o fazer com custos ecológicos irreparáveis no nosso tempo de vida e a preços proibitivos para os consumidores.

Os recursos energéticos sustentáveis devem ser economicamente viáveis, politicamente apoiados, socialmente equitativos e ambientalmente aceitáveis, ou seja, só porque um recurso energético pode ser definido como renovável não quer dizer que a sua utilização seja sustentável. A sustentabilidade requer um equilíbrio entre segurança energética, mitigação do impacte ambiental e equidade social, e os privados teimam em tombar a balança a favor do seu lucro e em detrimento de tudo o resto.

Para expandir a capacidade de controlo e planeamento democrático sobre a energia, a que devia haver acesso seguro e universal, precisamos de um serviço público de energias renováveis movido pelos interesses comuns, que crie milhares de empregos dignos e proteja os de quem ainda trabalha em setores poluentes.

Uma política energética sustentável é composta por estratégias desenvolvidas de forma participativa, transparente e responsável. Isso não acontece quando se podem pedir estudos de impacte ambiental para os mesmos empreendimentos até que os resultados sejam favoráveis aos interesses da empresa que os quer construir, em que o direito a participar nas consultas públicas sobre os impactes não é divulgado e é mal explicado aos cidadãos, e em que o ministro do ambiente e da ação climática pode justificar, com a “imprescindível utilidade pública”, o corte de 1821 sobreiros (árvore protegida por lei), numa área de 32 hectares de montado (ecossistema que só existe em sete países, culturalmente relevante, biologicamente diverso, resiliente e rentável), para a construção de um parque eólico detido pela EDP Renováveis.

Ao mesmo tempo, com pudor em sacrificar os privilégios dos mais ricos, alimentamos os mais pobres a “eficiência energética”, pedindo-lhes que poupem no cumprimento dos seus direitos – Portugal tem entre 660 e 680 mil pessoas a viver em situação de pobreza energética severa.

As circunstâncias exigem uma redução do uso de energia: a ideia de que o progresso tecnológico e a transição energética permitirão dissociar o nível de consumo de recursos naturais dos impactes ambientais e sociais do crescimento económico tem falhado na apresentação de soluções duradouras e generalizadas – o crescimento infinito é insustentável na biosfera finita.

A atual gestão da transição energética partilha tantas similaridades extrativistas com o processo de industrialização do século XX que põe em causa as próprias metas do Acordo de Paris, replicadas no Plano Nacional de Energia e Clima.

Quando é que perceberemos que a crise climática não vai ser resolvida por quem lucrou com ela, que a descarbonização da economia não é um negócio e que aumentar a produção de energia renovável não é sinónimo de corte de emissões de gases com efeito de estufa?

Talvez quando deixar de ser mais fácil ganhar eleições apresentando parques eólicos com imediato retorno económico do que com medidas de conservação e renovação da biodiversidade morosas e invisíveis, mas infinitamente mais valiosas.


Crónica publicada na ADENE NEWS, dedicada à apresentar de um modo simples e acessível conteúdos e informação de relevância em temas como a eficiência energética, eficiência hídrica, mobilidade, economia circular, consumidores e energias renováveis. Colaboração. Saber mais aqui >

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